terça-feira, 4 de março de 2014

Hermelinda, a filha de Camargo, o ‘C’ do MMDC




Dona Hermelinda tem 80 anos e mora, caprichosamente, em uma rua que fica entre as Avenidas 23 de Maio e 9 de Julho. Duas avenidas, duas datas. Duas datas que significam muito para a história e o orgulho paulista e interferiram em toda a vida de Hermelinda e sua família. Hermelinda Teixeira de Camargo Motta é filha de Antonio Américo de Camargo Andrade, um dos quatro jovens mortos em 23 de maio de 1932. O “C” do MMDC.
“Segunda (amanhã) será um dia triste para mim, como todo 23 de maio. Até desligo a televisão, não gosto de ver ninguém falando no assunto.” A morte do pai, quando ela, caçula de três irmãos, tinha acabado de completar 1 ano, é um trauma familiar. “Você não imagina a dor que é crescer sem pai… Todos os dias eu olho para essa fotografia (aponta para o único retrato que tem de Camargo) e digo: ‘Ô, pai, como o senhor fez falta na minha vida!’”, diz, sem conseguir segurar as lágrimas.
Hermelinda é a única filha viva de Camargo. Há 12 anos vive em um modesto apartamento na Bela Vista, na companhia de sua única filha, Arlete, viúva – que está internada em um hospital público, tratando-se de câncer. Sofre de artrose, pouco sai de casa e sobrevive com a aposentadoria de um salário mínimo. “Nunca recebi qualquer pensão, mesmo meu pai tendo sido um herói da Revolução”, reclama.
Ela afirma que é a primeira vez que dá uma entrevista – mas admite que relutava em falar sobre o assunto e nunca gostou da ideia de aparecer em eventos públicos comemorativos. “Vai ver, nem sabem que estou viva”, supõe.
Memórias. Quando Camargo morreu, deixou a viúva, Inaiá, com 29 anos e três filhos – Clésio, com 7, Yara, com 6, e Hermelinda, com 1. Ela não se casou novamente. “Para piorar, mamãe brigou com minha avó paterna, que queria a guarda dos filhos. Como a família paterna era a que tinha dinheiro, ficamos na pior”, conta ela – os pais de Camargo eram fazendeiros da região de Amparo, no interior paulista.
Inaiá trabalhou um tempo como escriturária na Prefeitura, até se aposentar por problemas de saúde. “Tínhamos ainda muitos imóveis, herança de meu pai, e fomos vendendo ao longo da vida”, diz.
Hermelinda se casou cedo, aos 13 anos – sua filha nasceu quando ela tinha de 14 para 15 –, também trabalhou na Prefeitura, separou-se muito jovem e passou a viver da compra e venda de imóveis – até restar somente o apartamento onde mora.
Hermelinda se recorda das histórias que sua mãe contava sobre Camargo. “Ele era um bon vivant. Não trabalhava, vivia gastando a herança do pai. Boêmio, chegava sempre tarde em casa e só aprontava”, relata. “Uma vez chegou só de cuecas, de madrugada, porque estava frio e ele decidiu dar as roupas para um mendigo. Bêbado como ele estava, não sentia frio.”
No fim dos anos 1920, já casado e pai de dois filhos, Camargo deixou a família em São Paulo e decidiu rodar o mundo. “Ficou gastando dinheiro”, conta Hermelinda. “Aí encontrou com um amigo da família em Paris, que o alertou: ou você volta para o Brasil ou sua mulher vai pedir o desquite. Então ele voltou e, pouco tempo depois, eu nasci.”
Exímio atirador, Camargo gostava de acertar frutas no pomar da fazenda de Amparo. E certa noite, quando chegou em casa após uma noitada e pediu moela de frango para a mulher, zangou-se com a negativa dela em matar um animal do galinheiro naquela hora para servi-lo. “Ele foi lá e atirou nos frangos todos, sem dó”, conta Hermelinda.
As últimas palavras de Camargo, há 79 anos, teriam sido sobre Hermelinda. “Ele foi escolhido porque era o mais alto da turma, media 1,99 metro”, explica a filha. “Seus amigos contavam que, quando ele agonizava, falava de mim. Ficou preocupado em deixar uma filha tão nova sem pai.”
Hermelinda resume com simplicidade o motivo que levou seu pai a participar do movimento: “Ele era contra o Getúlio, né?” Em seu velório, o caixão estava coberto com a bandeira de São Paulo.
PARA LEMBRAR
Dois anos depois de assumir o poder na Revolução de 1930, Getúlio Vargas ainda não havia cumprido a promessa de criar uma nova constituição. Em 23 de maio de 1932, após vários comícios contra o governo federal, estudantes paulistas tentaram invadir a sede um dos bastiões do regime, o Partido Popular Paulista, na Rua Barão de Itapetininga, no centro. Euclides Bueno Miragaia, de 21 anos, Mario Martins de Almeida, de 21, Drausio Marcondes de Souza, de 14, e Antonio Américo de Camargo Andrade, de 30 (o único a deixar filhos) foram fuzilados por soldados. As primeiras quatro vítimas do confronto entre São Paulo e o governo Vargas se tornaram a sigla MMDC, que inspirou outros paulistas a se rebelarem. Em 9 de julho, começou a Revolução Constitucionalista de 1932.


Publicado originalmente na edição impressa do Estadão, dia 22 de maio de 2011





domingo, 2 de março de 2014

Capacetes Coleção Dilermando Mantovani

Gentilmente o colecionador Dilermando Mantovani, de Amparo, permitiu-nos a publicação de dois de seus capacetes integrantes de sua respeitável coleção de artigos militares. 
O primeiro, em aço, foi um dos três modelos implantados no Exército Constitucionalista. Trata-se de modelo nitidamente inspirado no Adrian,  utilizado, entre outros exércitos, no italiano da Primeira Guerra Mundial.





O segundo se trata de raríssimo chapéu-capacete de Oficial do Exército Constitucionalista. Notamos que pelo seu material, a cortiça, não era utensílio de uso em campo de batalha. Segundo nos consta, este modelo de chapéu fora usado pela polícia de São Paulo nas décadas de 1930 e 40. Trata-se de raro exemplar, supondo nós do MMDC Amparo ser, talvez, um dos únicos na região.






Os sinceros agradecimentos ao sr. Dilermando Mantovani.




sábado, 1 de março de 2014

Os Ferreira de Camargo e a Revolução de 32

Os grandes eventos da história estão sempre relacionados a indivíduos ilustres que ousaram 'escrever' os rumos de seu tempo. Abdicaram aos caprichos e aos individualismos inerentes à covardia humana; Ofertaram de seus talentos e recursos em prol de uma causa maior.
Em Amparo, no tocante à Epopeia de 32, cumpre asseveramos a inesquecível (porém olvidada) participação da Família Ferreira de Camargo nos bastidores da grande Revolução Brasileira.
De início, citamos a figura do Coronel João Belarmino Ferreira de Camargo, poderoso cafeicultor e influente líder político do PRP (Partido Republicano Paulista) em Amparo, agremiação política dominante non período da dita 'República Velha'. Seu nome se liga ao contexto da hegemônica influência dos ditames paulistas (e mineiros aliados do PRM) nos rumos da política nacional. Sob o véu da indicação política de nomes influentes (revezando essa escolha com os vizinhos mineiros, daí do 'café-com-leite'), mantinham a esfera política nacional sob o jugo das determinações paulistas. Não se pretende, nessas linhas, realizar análise crítica sobre os aspectos democráticos ou oligárquicos desse período; Tenciona-se, em verdade, explanar que o Coronel João Belarmino Ferreira de Camargo fazia parte desse grupo político, alvo do Golpe de Estado promovido por Getúlio Vargas em 1930.
Ademais, no intervalo 1930-32, o Coronel J.B.F de Camargo mostrou-se ativo no pólo oposto daquele governo ditatorial que se instalara em 1930.


Outro membro de grande destaque foi o Doutor Laudo Ferreira de Camargo, filho do Coronel João Belarmino. Tecer considerações sobre esse ilustre jurista, sem modéstia, nos exigiria a feitura de um livro, todavia, aqui exporemos pontos principais de sua trajetória relacionado ao evento de 32.
Homem do Direito, bacharelou-se em 1902 na tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o verdadeiro 'Templo' jurídico do Brasil até os dias de hoje. Advogou em Amparo nos primeiros anos de formado e, posteriormente, seguiu a carreira jurídica nos quadros estatais, ocupando o cargo de Promotor Público em Serra Negra e de Juiz de Direito nas cidades de São José do Rio Pardo, Itaporanga, Cajuru, São Simão, Ribeirão Preto e Santos. Após brilhante e reconhecida carreira de Juiz, foi promovido ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, órgão máximo da magistratura paulista.
Como Desembargador ganhou notoriedade pelas constantes aposentadorias compulsórias de Juízes de Direito ligados aos PRP e, portanto, às consequentes conivências com determinadas fraudes eleitorais e a 'vitórias' políticas 'sob pico de pena', as quais eram convalidadas pelo judiciário. Tal postura de Laudo de Camargo, em tese, contrariava os interesses políticos de sua família, porém, a grande característica desse homem era a imparcialidade, atributo inerente ao exercício de julgar. 
Justamente pelo seu espírito imparcial fora nomeado pelo próprio Getúlio Vargas ao cargo de Interventor federal no governo de São Paulo ( de 26 de julho a 13 de novembro de 1931). Esse cargo, equivalente ao de Governador de Estado nos mostra o patamar de sua importância política em seu tempo. Sua escolha relaciona-se a estratégia de Getúlio Vargas de escolher um paulista que pudesse conter os ânimos no Estado e servir de intermediário ao bom governo, ainda que ditatorial.
Conforme extraímos da grandiosa obra 'REVOLUÇÃO DE 32' de HERNÂNI DONATO, Laudo de Camargo tentou realizar um governo ponderado e de sua confiança ( e dos paulistas, por extensão), todavia, teve no entrave dos 'Tenentes' a impossibilidade de governar livremente:
 
    Camargo, havendo exigido alguma liberdade de ação, escolhe secretariado de sua confiança e move-se com tal personalidade e desembaraço ante os arreganhos tenentistas que depressa se transforma em alvo daquela corrente. E ultrapassa os limites considerados toleráveis pelos outubristas, legionários e tenentes ao indultar os militares da Força Pública implicados no movimento armado de abril. Essa medida soou para os tenentes como desafio a responder e impressionou e encurralou Getúlio.
   João Alberto, que do Rio de Janeiro ainda movia cordões em São Paulo, expediu ao seu sucessor  um bilhete desaforado; Góis Monteiro, telegrama idem. Ambos identificavam na atuação laudista o preparo do desforço paulista. Não lhe darão tréguas nem baixarão a guarda revolucionária tenentista. Laudo de Camargo providencia o mínimo, na oportunidade: quer saber se Vargas teve conhecimento das mensagens, isto é, se prestigia o interventor ou os tenentes. É o 13 de novembro. Por três vezes, Getúlio esquiva-se de atender a chamada telefônica. Laudo entende. E renuncia. (H.Donato, Revolução de 32, p.48)

A despeito do evidente antagonismo travado entre Laudo de Camargo e Getúlio Vargas, este o nomearia posteriormente ( Decreto de 30 de maio de 1932) ao cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, do qual seria seu Presidente no biênio 1949-51.

Laudo Ferreira de Camargo


Outro membro da família Ferreira de Camargo fielmente atrelado a Epopeia de 32 é Alonso Ferreira de Camargo, outro filho co Coronel João Belarmino e irmão de Laudo. Foi um dos amparenses heroicamente mortos na Revolução. De Cruzes Paulistas extraímos algumas considerações a seu respeito:

         Com idade bastante para prestar seus serviços em trabalhos menos pesados da retaguarda. Alonso Ferreira de Camargo preferiu, no entanto, as agruras da trincheira. Alistou-se no batalhão “14 de Julho”, em cujo encalço embarcou para Itararé. Com ele, tomou parte em vários renhidos combates, até 23 de agosto, quando colhido por estilhaços de granada, em Buri, ficou gravemente ferido. Trazido para a Capital e internado no Instituto Paulista, ali faleceu a 30 do mesmo mês. Seu corpo foi transladado para Amparo, onde nascera.
Alonso era filho do Sr. João Bellarmino Ferreira e da Sra. Francisca Viegas Ferreira de Camargo, nascera em Amparo, aos 27 de setembro de 1887. Contava, pois, 45 anos ao incorporar-se. Casado com a Sra. Maria Fausta Nogueira de Camargo, deixou duas filhas: Celina e Inah. Era irmão dos Srs. Dr. Lauro Ferreira de Camargo, desembargador na Côrte Suprema e ex-interventor federal de São Paulo, casado com a Sra. Noêmia de Almeida Camargo; Sr. Clóvis Ferreira de Camargo; e Sras. Lecticia, casada com o Sr. Benedito Lino de Campos e Ottilia, casada com o Sr. Paulo Nogueira.
Alonso Ferreira de Camargo ocupava cargo de alto relevo na Secretaria da Agricultura, tendo sido escolhido, por varias vezes, para importantes comissões. Viajado, conhecia a Inglaterra, a França, a Suíça e a Alemanha, falando corretamente, além do português, o francês e o alemão.   

Alonso Ferreira de Camargo

Por fim, não podemos deixar de prestar homenagens ao ilustre Doutor Áureo de Almeida Camargo, filho de Laudo de Camargo. Amparense e acadêmico da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, juntou-se ao Batalhão 14 de Julho, emanado dessa Academia de Direito e lutou bravamente nas trincheiras paulistas. Foi, posteriormente, renomado historiador brasileiro, sempre buscando eternizar os feitos do povo paulista em seus escritos e artigos. Foi autor da obra 'Epopeia de 32'.

Áureo de Almeida Camargo